*VASCO GRAÇA
Assisti nas últimas três décadas ao sucessivo aviltamento da
ética política e mediática. Encarei-o com alguma tristeza mas também com a
compreensão de que o processo resulta da lenta degradação de um modelo económico-político
que hegemoniza a cultura nacional.
Acompanhei o percurso de hipermediatização da esfera pública
com a consequente ‘espetacularização’ da política. Constatei o esvaziamento
ideológico de alguns Partidos abrindo o campo à fulanização e ao triunfo da
retórica conjuntural servida pelo aparelhismo de ‘boys’ e ‘caciques’.
Desiludi-me com o progressivo enclausuramento do jornalismo autêntico em favor
das práticas de sensacionalismo e manipulação que proliferam hoje nos media nacionais.
Creio, todavia, que há limites que deveriam ser
inultrapassáveis.
Mau grado a deterioração referida tem prevalecido, com raras
exceções, algum pudor e o bom senso de excluir a calhandrice mais sórdida do
espaço público. A utilização das vidas privadas como material de negócio ou de
ataque político tem-se, em geral, restringido ao mundo específico das revistas
cor-de-rosa ou das redes digitais.
Vem agora o ex-diretor do ‘Expresso’ e do ‘Sol’ anunciar
para breve a publicação de um vómito escrito em formato de livro, com a
apresentação de um ex-primeiro ministro, baseado em pretensas conversas
privadas e inconfidências noturnas com o qual se propõe vender pseudoinformação
sobre a vida íntima de personalidades portuguesas.
Anuncia-se que, entre outras aleivosias, irá denegrir Paulo
Portas recorrendo, para isso, a uma pretensa conversa havida com o seu irmão,
Miguel Portas.
Não sei os termos precisos dessa malfeitoria e,
reconhecidamente, não tenho nenhuma simpatia política pelo Paulo.
Mas, para além do ato abjeto de mercantilização da
calhandrice indigna-me sobremaneira a utilização cobarde de quem já morreu para
veicular mexericos suspeitosos.
Acresce que conheci bastante bem o Miguel na sua juventude e
fomos mantendo algum contato ao longo dos anos. Partilhámos muitas
experiências, momentos difíceis e indeléveis alegrias. Recordo com saudade o
seu entusiasmo, a sua simpatia, a sua hombridade e lealdade.
Sempre foi ‘o miúdo’ de convicções profundas acima de
quaisquer trafulhices intriguistas ou ataques pessoais malévolos. O seu
relacionamento com o irmão, para além do amor fraternal, foi exemplar na
discrição da inabalável amizade e respeito que os unia.
Seguramente o Miguel nunca iria mexericar acerca da vida,
privada ou política, do Paulo fosse com quem fosse. Muito menos com um
pseudojornalista de direita que agora se pretende apresentar como seu
confidente. Imagino mesmo que, se continuasse entre nós, nesta altura já o
Miguel teria apicado o merecido corretivo ao conhecido intriguista.
Infelizmente, o mal está feito e a vida pública portuguesa
irá descer mais um degrau.
É apenas em nome de uma justificada indignação e em defesa
do bom nome, nomeadamente, de quem já morreu que exprimo este repúdio.
Gostaria que este facto de indignidade, apadrinhado por um
ex-primeiro ministro, tivesse um ponto final parágrafo a justificar um virar de
página na degradação da vida na polis. Mas não acredito.
Fica o protesto.
*Membro Socialista da Assembleia Municipal de Cascais e da
Plataforma Cascais-Movimento Cívico
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