Politicamente incorrecto?



* CLEMENTE ALVES
 
Dando-se eco da entrega pela Câmara do edifício da Creche José Luis à Paróquia de Nª Srª da Ressurreição de Cristo, um jornal de circulação local informa que a referida decisão municipal teve o voto contra do vereador do PCP.

Factos que são verdade mas que não contam a verdade. Porque só a verdade deve contar, e sendo eu aquele vereador que desalinhou, impõe-se que dê conta das razões que levaram o PCP a votar como votou.

O edifício que agora foi entregue à paróquia foi mandado construir pelos Condes de Monte Real para nele funcionar uma Creche destinada aos filhos das famílias necessitadas de Cascais, que recebeu o nome de José Luis em homenagem ao filho do ilustre casal. Por escritura pública lavrada em Agosto de 1931 o edifício-creche passou para a posse da Câmara, “que declara aceitar as condições impostas na escritura de doação feita em Outubro de 1925 entre os doadores e a extinta Comissão Municipal de Assistência”.

No cumprimento da vontade dos Condes e - pese embora a propaganda do PSD/CDS que diz ser “Cascais o melhor sítio do mundo para viver”- porque aqui nunca deixaram de existir famílias carenciadas com filhos, a Creche José Luis nunca deixou de existir, funcionando sob a administração da Stª. Casa da Misericórdia de Cascais por delegação da Câmara. Até ao dia 25 de Julho de 2016.

Posto isto, porque é que o vereador do PCP votou contra, enquanto todos os outros votaram a favor, da “cedência em regime de comodato” do edifício sem creche à paróquia ?

Em primeiro lugar porque não aceitou que a creche José Luis fosse “apagada” da história e que se desonrassem as condições dum legado que a Câmara publicamente jurou honrar. Depois, porque mesmo que quanto às crianças das famílias necessitadas de Cascais alguém diga que não ficam sem abrigo e que serão distribuídas por outras creches, para o PCP, ainda que assim seja,  isso não é a mesma coisa.

Em segundo lugar, porque ao vereador também interessou saber a que outro nobre fim se destinava o edifício que deixava de ser creche. No corpo da proposta que foi à reunião da Câmara é dito que vai servir “para as actividades que constituem o seu (da Fábrica da Igreja) objecto social, comunitário, sendo igualmente um local onde possam trabalhar, reunir, ou seja um espaço de apoio da comunidade local e na difusão cultural e religiosa no concelho”.

Isto é, o edifício que era uma creche pública vai agora servir em particular uma comunidade religiosa.
Mas, na mesma reunião de Câmara outras razões foram ainda acrescidas para que o Vereador não pudesse em consciência assumir outro sentido de voto senão o contra. E que têm que ver com a violação pela maioria PSD/CDS que governa a Câmara dos princípios da laicidade do Estado e da imparcialidade a que está obrigado no tratamento das diferentes crenças religiosas.

Na Reunião da Câmara de 25 de julho foram deliberadas propostas que, além da Igreja Católica, visaram a Igreja Ortodoxa Russa e a Igreja Judaica, sendo que para estas se tratou, respectivamente, da venda, por 250.000€, de uma parcela de terreno com 1.593,7m2 “destinada à construção de uma Igreja e instalações de apoio” e cedência, mediante uma renda mensal de 744,00€, de uma parcela de terreno com 4.969,86m2 “destinada à construção de uma Igreja e instalações de apoio”. Além do já referido edifício da creche, a maioria PSD/CDS com o voto a favor do PS e do SerCascais, fez ainda a entrega, livre de quaisquer ónus, à Igreja Católica de mais uma Capela, que integra o legado dos Condes de Castro Guimarães e classificada como imóvel de interesse público, “pelo período de 50 anos, renovável automaticamente por iguais períodos”, destinada a “atividades de culto religioso”.

Ou seja: um órgão autárquico dum Estado laico, que não tem nem pode ter religião, e que está obrigado a tratar com equidade os diferentes credos (e também aqueles que não professam nenhuma fé), este órgão ‘oficialmente’ age com três diferentes pesos e três medidas, consoante o interesse politico dos que mandam na Câmara e;  “porque são eles que mandam”, usam o património que é de todos, incluindo os que não são crentes,  para a uma Igreja dar dois edifícios, à segunda Igreja,  de outra fé, alugar um terreno enorme por tuta-e-meia e, à terceira fé, vender uma parcela a preço de mercado imobiliário. Tudo para no fim das contas, aos bons princípios dizerem nada.

Competindo-lhe decidir com imparcialidade, o Vereador do PCP votou a favor da venda a preços de mercado do terreno aos ortodoxos, votou contra o aluguer do outro terreno maior aos judeus e votou contra a doação do prédio que sempre foi uma creche e da Capela classificada como património de interesse público aos católicos.

Muitos dirão que o voto do PCP foi um voto politicamente incorrecto ou inconveniente. Talvez seja. Talvez não lhe renda a simpatia e os votos que outros pensam ir colher sobretudo junto da comunidade católica, porque votaram convenientemente ao que julgam serem os interesses dos católicos.

Mas uma coisa é certa: na consciência do Vereador o voto do PCP foi aquele que não só respeita o que a constituição da nossa República determina, como foi também o único que respeita os princípios que considera serem cristãos, de a todos os credos se tratar por igual, “como a nós mesmos”.

*Vereador do PCP na Câmara Municipal de Cascais

1 comentário:

  1. Concordo com esta linha de coerência; em defesa dos valores morais e dos valores materiais do município de Cascais, acrescentando ainda o respeito pela lei máxima que é a Constituição da República Portuguesa.
    Assim terá sempre o meu voto.

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