Gabinete de Curiosidades



LUÍS FILIPE SARMENTO
6.

A ética esfumou-se do espaço social e económico e o seu contrário, corruptor, é imposto do exterior com um falso argumentário do novo-riquismo que veicula a sua desinformação através dos media. 


É natural que radicalismos nacionalistas estruturados nos conceitos mais retrógrados e conservadores de família e nas, sempre perversas, Igrejas e confissões religiosas tentem recuperar o território que perderam pela aplicação das suas lógicas do efémero. Este movimento paradoxal de destruição do bem-estar colectivo para a recuperação de um espaço privado contra a propriedade pública é o reflexo de uma estratégia implementada de fora para dentro para uma desnacionalização da memória e da cultura e de todo um povo para que os braços do polvo, cuja cabeça é formada pelos caciques da União Europeia, suguem tudo à sua passagem em nome de um sinistro pacto de estabilidade. 


Os media controlados pelo poder político, que por sua vez está subjugado ao perverso poder financeiro, têm como missão normalizar o medo e a cobardia junto dos cidadãos para que o processo de desestruturação da prática democrática da cidadania seja efectiva e irreversível. 


Os media da hipermodernidade, através da criação das suas imagens excessivas e violentas, impõem comportamentos, isolando quem resiste e promovendo os seus títeres sem voz própria desapossados de alma e dignidade.


Se, por um lado, o aparente objectivo é a estandardização dos comportamentos, por outro, é a morte da crítica o que mais interessa    aos «capos» que hoje controlam as políticas ocidentais onde sobressai o caciquismo das instituições europeias. Está institucionalizado um regime criminoso cuja vítima preferencial é a cidadania. Ao inscrever-se no registo do espectacular, da moda feérica, os media valorizam a propaganda do luxo, do divertimento vazio, contra a implementação do conhecimento e do saber cujos valores representam o seu principal inimigo.


A mega diversidade da informação quer induzir ao individuo que ele tem acesso a uma liberdade de escolha nunca vista, a uma autonomia libertadora que se reflecte na ilusão de se ter uma opinião própria. Nada mais falacioso. Essa mega diversidade é constituída por elementos de formatação estanque do indivíduo, levando-o a escolhas sem opção, criando à superfície da consciência o paradoxo de quem pensa que está a escolher o que na realidade lhe está a ser imposto. 

O debate deixa de ser democrático porque a crítica é silenciada através da sua morte prematura. Os media só dão acesso às vozes do dono.


E da uniformização dos comportamentos, que representa a primeira fase do ataque à cidadania, passa-se à uniformização das convicções plasmadas em falsas opiniões que dão a entender que há liberdade de pensamento quando na verdade o que há é o seu estrangulamento. O que é uma fraude. 

A hipermodernidade está a conduzir-nos a um niilismo totalitário. Quando se exacerba o individualismo está a capturar-se o indivíduo solidário, ou seja, a conduzir a humanidade para um beco sem saída. 


Os media desinformam e censuram a partir da manipulação das imagens que levam à manipulação dos comentadores ao serviços dos seus patrões e amos. 


Do admirável mundo novo ao repugnante mundo da «novidade» excessiva há toda uma estratégia de aniquilação do poder cítico face à realidade hipermoderna. 


Desvaloriza-se a inteligência e promove-se a estupidificação de massas com a normalização e internacionalização de programas abjectos para o consumo de massas que, sendo assim domesticadas, deixam de ter poder de reação, acabando por morrer com a ideia de que foram autónomas e felizes. Nada mais perigoso para a humanidade. Reconquistar a autonomia consciente de si é o primeiro passo para que a cidadania se liberte do polvo gigantesco que, com os seus braços repelentes, está a esmagar a civilização humanista.

1 comentário:

  1. Muito filosófico mas verdadeiro.
    Sobre o terceiro parágrafo, por ser de leitura mais acessível, convêm dissertar sobre as várias formas que levam ao cultivo desses medos que nos acobardam e que cultivam depois o desinteresse pela cidadania.
    Estamos a ser esvaziados dos bens materiais e do bem "pensamento livre e crítico".

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